Sunday, November 21, 2010

Quem toca a empresa é o cliente

Jake Nickell, 29 anos, representa a vanguarda de um novo modelo de inovação que está silenciosamente remodelando os negócios. Ele faz um produto banal — camisetas —, mas de uma forma jamais vista. Primeiro, organiza concursos de desenho em uma rede social online. Depois, os membros da rede apresentam suas ideias para camisetas, votam em suas preferidas e compram uma tonelada delas no site Threadless.com, a US$ 15 cada. O faturamento cresce pelo menos 200% ao ano, apesar de a empresa nunca ter anunciado, não empregar estilistas profissionais, não usar uma agência de modelos ou fotógrafos de moda e não ter uma equipe de vendas nem distribuição no varejo. Como consequência, os custos são baixos, as margens ficam acima de 30% e — porque os membros da comunidade dizem exatamente que camisas desejam — todos os produtos são vendidos. A empresa de Nickell nunca produziu um fracasso. “A Threadless elimina completamente a divisão entre quem é o produtor e quem é o consumidor”, diz Karim Lakhani, professor na Escola de Economia de Harvard. “Os clientes acabam tendo um papel crítico em todas as suas operações: geração de ideias, marketing e previsão de vendas.” 

Essa ideia vai contra um princípio básico que é ensinado nas escolas de economia desde que começou a produção em massa: os empregados fazem os produtos e os clientes os compram. Essa noção parece anacrônica hoje. As chamadas empresas da web 2.0 encorajam os clientes a colaborar e, em alguns casos, a criar o produto. Não apenas temos acesso instantâneo a inúmeros programas de televisão por meio de websites, como qualquer pessoa com uma conta no YouTube e uma câmera digital pode criar seu próprio programa. A Enciclopédia Britânica, de 240 anos, se viu eclipsada — pelo menos em termos de leitores — pela Wikipédia, que nada paga a seus autores e não exige que tenham qualquer especialização.


A diferença é que a Threadless não é uma empresa de software ou de mídia. Ela desenha, manufatura e vende coisas reais. “Eles são o início de uma nova onda”, diz o professor do MIT Eric von Hippel, cujo último livro se intitula Democratizing Innovation (Democratizando a inovação, sem tradução para o português). Hippel prevê um futuro em que a maioria das companhias abandonará a pesquisa de mercado e o design de produtos, e em vez disso terá comunidades de usuários para decidir o que será vendido. Tim O’Reilly, fundador da O’Reilly Media e o sujeito que cunhou o termo web 2.0, vai ainda mais longe. “Conforme a tecnologia industrial evoluir, esse modelo será aplicado muito mais amplamente”, ele diz.

Nickell não tinha essa visão quando, aos 20 anos, dava os retoques finais em um desenho para camiseta no final de 2000. Era para o festival New Media Underground, uma reunião informal de web designers em Londres. Passava os dias como vendedor em uma loja da CompUSA, em Chicago. À noite era um estudante talentoso — mas desanimado — em tempo parcial no Instituto de Arte de Illinois. Quando não estava trabalhando ou estudando, Nickell mexia com web design, um hobby que aprendeu na Dreamless.org, um fórum para ilustradores e programadores. O desenho que Nickell fez para o festival New Media Underground — três linhas de texto cinza que imitavam o layout do site Dreamless — foi inscrito em um concurso que os organizadores do festival promoveram na rede. O desenho era simples e não exatamente bonito. Mas era muito inteligente — uma representação física de sua comunidade digital. Nickell ganhou o concurso.



Parte 02:


Ele não ganhou dinheiro, nem mesmo um exemplar de sua camiseta vencedora. Mas a experiência foi crucial para o seu futuro. Os membros do Dreamless passavam muito tempo discutindo ideias, mas suas criações raramente saíam do reino digital. De repente, Nickell teve uma ideia: e se os melhores desenhos fossem impressos em camisetas e vendidos no mundo real? Com mil dólares — o suficiente para pagar um advogado para montar a firma e imprimir o primeiro lote de camisetas —, ele fez seu primeiro concurso, batizado de Threadless, em novembro de 2000. As 24 cópias das cinco camisetas vencedoras foram rapidamente vendidas, a US$ 12 cada. Nos meses seguintes, foram feitos outros concursos, com um sistema de classificação automático a partir de notas de 1 a 5 dadas pelos usuários. Em 2002, o hobby tinha movimentado mais de US$ 100 mil e atraído 10 mil membros da comunidade. Mesmo assim, Nickell, seu sócio Jacob DeHart (que posteriormente saiu da gestão da empresa) e Jeffrey Kalmikoff (responsável pela área criativa) passavam grande parte do tempo fazendo web design para pagar as contas.

Pouco depois de fundar a companhia, Nickell e DeHart começaram a dar prêmios para o desenhista vencedor — inicialmente, eram de US$ 100, mas gradualmente subiram para US$ 2.500. Mas o apelo da Threadless para os artistas nunca teve muito a ver com o dinheiro. “O bacana era ver a minha camiseta estampada”, diz o artista Glenn Jones, que ganhou US$ 150 em um concurso em 2004. Os jovens ilustradores tinham poucos canais para exibir sua arte, e, poucos anos depois do lançamento, a Threadless tinha adquirido uma espécie de status de American Idol. Além de atrair muitos talentos, o formato do concurso incentivava os artistas a contar a seus amigos menos artísticos sobre o site. Os desenhistas publicavam em seus sites, blogs e páginas do MySpace links para suas inscrições, pedindo aos amigos para clicar, votar — e comprar (A Threadless ajuda nesse processo, mandando aos artistas kits de inscrição digitais que incluem o código HTML e gráficos para ajudá-los a criar anúncios de aparência profissional para seus desenhos). “A Threadless foi um enorme negócio boca a boca”, diz Tom Burns, um desenhista freelance de 30 anos de Murfreesboro, Tennessee. Em artigo publicado na Sloan Management Review, em 2006, o pesquisador do MIT, Frank Piller, descobriu que apenas 5% dos clientes compravam camisetas sem antes votar nos desenhos. “Quase ninguém estava simplesmente consumindo”, ele diz. “Todos estavam participando.” 



A base de usuários aumentou dez vezes, de 70 mil membros no final de 2004 para mais de 700 mil hoje. As vendas em 2006 atingiram US$ 18 milhões — com lucros de aproximadamente US$ 6 milhões. Em 2007 o crescimento continuou em mais de 200%. Embora Nickell se recuse a revelar o número exato do faturamento, parece justo supor que a Threadless vendeu mais de US$ 30 milhões em camisetas em 2007. Pergunte a Nickell o que ele acha do sucesso vertiginoso de sua companhia e ele responde timidamente: “Eu a vejo como senso comum”, ele diz. “Por que você não gostaria de fazer os produtos que as pessoas querem que você faça?” De fato. Um estudo publicado no ano passado no Strategic Entrepreneurship Journal sugeriu que a vasta maioria das empresas é fundada por “empresários-usuários” — pessoas que entraram no negócio para melhorar um produto que já usavam.

Algumas grandes corporações estão começando a experimentar essas ideias. Mas a maioria ainda prefere o que Von Hippel chama de paradigma do “encontre uma necessidade e a supra” —, que envolve pesquisa de mercado, grupos de foco, testes, retrabalho e reteste. Não apenas esse método é extremamente caro, como deixa de capitalizar os clientes mais dedicados de uma empresa — que muitas vezes já estão melhorando os produtos existentes para suprir suas necessidades. Pense no hacker que modifica seu iPhone para permitir que ele funcione com o Skype ou na adolescente que corta a gola de sua camiseta.

Algumas empresas realmente castigam essas pessoas ao combater inovações desautorizadas. A Apple, como se sabe, desabilitou eletronicamente os iPhones que foram aperfeiçoados por seus proprietários. Outras empresas dizem apoiar a inovação pelo usuário, mas têm dificuldades para se adaptar ao conceito. “A BMW recebe mil boas ideias por ano”, diz Piller, do MIT. “Talvez só use uma a cada dois anos.” Por mais que se coloque tecnologia para embelezar a caixa de sugestões, estas tendem a ser jogadas no lixo no fim da semana.

A Threadless é uma exceção. “Você poderia dizer que o que a Threadless faz é banal, mas não é”, diz Lakhani, de Harvard. Na verdade, a transformação na maneira de fazer um produto de tão baixa tecnologia quanto uma camiseta prova que as vibrantes comunidades online podem dirigir todo tipo de empresa. Isso deveria ser uma notícia encorajadora para os empresários. As comunidades de clientes tornaram-se extremamente baratas de se formar e administrar. Os softwares para blog e de plataformas de redes sociais, por exemplo, hoje estão disponíveis de graça. 






OS VENCEDORES A Threadless faz concursos online para os desenhos das camisetas. Eis uma amostra do que a sua rede de artistas tem produzido
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1>>> Bailarinos naturais de Nova York | Philip Fivel Nessen, Brooklin, Nova York

2>>> Evidência da lição de casa | Glenn Jones, Auckland, Nova Zelândia

3>>> Leões são mais inteligentes do que eu | Keith Carter, Seattle

4>>> Faça amor, não faça guerra | Paul Burgess, Bellevue, Washington

5>>> Paixão cambaleante | Chris Philips, Franklinton, Carolina do Norte


Parte 03:

A BASE É A PAIXÃO A sede da Threadless fica em uma antiga estamparia na Ravenswood Avenue, em Chicago. O escritório de 2.300 metros quadrados é aberto aos clientes, uma dúzia dos quais aparece todos os dias para escolher suas camisetas pessoalmente. Às vezes eles passam horas lá, em um espaço que parece um dormitório de faculdade construído em uma escala enorme. O lugar tem consoles de videogame, mini-karts, uma televisão gigante, poltronas-sacos, figuras de ação, um troféu de caça que canta, uma mesa de pingue-pongue e um trailer em tamanho natural que a empresa usa como estúdio para produzir podcasts. A impressão é de um paraíso adolescente — uma empresa que é só diversão.

Olhando mais de perto, porém, a companhia é bem mais empresarial. Os karts geralmente ficam estacionados, o cervo-troféu fica mudo e a mesa de pingue-pongue serve como sala improvisada de reunião. “Quando comecei, passávamos metade do dia brincando”, diz Lance Curran, 29 anos, que usa barba, boné, jeans e camisa de flanela. “Isso não acontece mais.” Mas não quer dizer que Curran não gosta de seu emprego. Pelo contrário, ele quase brilha quando fala sobre sua ascensão de trabalhador temporário em um depósito em 2005 a gerente do estoque, encarregado de uma equipe de 18 pessoas. Quando Curran chegou, o tempo médio para remessa do produto era de até um mês. Hoje, é de um dia. Como Curran, a maioria dos funcionários da Threadless não tem qualificações evidentes para seus empregos. O mais velho membro da equipe está com 33 anos, e muitos têm menos de 25. Mas eles chegam com um amor profundo pela Threadless. Afinal, 75% dos 50 funcionários da companhia eram membros da comunidade antes de ser contratados.

Os funcionários há muito tempo servem de modelos para as camisas da empresa. Isso coloca os membros da comunidade em uma base íntima com eles. (Os usuários também são convidados a publicar fotos de si mesmos usando camisas Threadless. Para cada foto enviada, a empresa dá um crédito de US$ 1,50.) Cada empregado é incentivado a conversar regularmente com os usuários. Por exemplo, quando Curran está planejando liquidar o estoque, ele alerta os clientes em seu blog no Threadless. As publicações costumam produzir dezenas de pedidos. 

O FÃ-CLUBE O jeito da Threadless fazer negócio (conhecido no meio acadêmico como “inovação do usuário”) tem impressionado os gurus da Web
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“É uma das poucas empresas da Web 2.0 que realmente tem um modelo de negócios”

Guy Kawasaki, Fundador da Garage Technology Ventures 
“O princípio da inovação pelo usuário que a Threadless explora se aplica a todo produto”

Eric von Hippel, Professor do MIT 
“Conforme a tecnologia industrial evoluir, esse modelo será aplicado muito mais amplamente”
Tim O’Reilly, Criador do termo web 2.0 

OLHAR PARA FORA
No final de 2006, Nickel vendeu uma participação minoritária para a nova-iorquina Insight Venture Partners por uma quantia não revelada. Com o dinheiro, ele começou a trabalhar em uma loja da Threadless. Em setembro de 2007, a Threadless abriu uma loja de dois andares no bairro de Lakeview, em Chicago. Nickell não economizou no projeto do espaço, que tem lambris de zinco, detalhes de madeira de lei e 20 monitores de TV de tela plana. Mas o mais incrível é a pouca quantidade de produtos à venda na loja. O andar superior é dedicado exclusivamente à arte, e cerca de 20 desenhos de camisetas são vendidos no andar inferior. Nickell imaginou a loja como um canal de marketing — uma personificação física da Threadless.com, para ajudar a chamar a atenção para o site. Ele imaginou que perderia dinheiro.

Seis meses depois, a loja é rentável e Nickell já planeja uma unidade infantil em Chicago e uma segunda em Boulder, no Colorado. No futuro, ele espera abrir lojas em cidades de tamanho médio como Austin, Seattle e Minneapolis. A expansão, que foi recebida positivamente pela maior parte da comunidade Threadless, não deixa de ter seus críticos. “Por favor, prometa que esta será a única loja que você vai abrir”, escreveu um membro vários dias antes da grande festa de inauguração do primeiro ponto. Essa tensão, segundo Nickell, é inevitável. “Mesmo antes, já vínhamos perdendo nosso pessoal de base e ganhando um novo público”, ele diz. “É mais ou menos como uma banda em sua infância: assim que um monte de gente passa a escutar a banda, os fãs iniciais vão embora.” O visual das camisetas da Threadless mudou drasticamente. As piadas de webmasters foram substituídas por referências culturais; os jogos de palavras deram lugar à riqueza pictórica. 
Hoje Nickell está decidido a invadir outros negócios. Além de se expandir para roupas infantis e varejo, a Threadless vai começar a vender gravuras, pôsteres online e uma série de outros produtos — como bolsas, carteiras e aparelhos de jantar — com a marca Naked & Angry. Cada artigo será enfeitado com desenhos enviados por usuários. “Dizer que é apenas uma empresa de camisetas é absurdo”, diz Jeff Lieberman, diretor-gerente da Insight Venture Partners e membro do conselho de administração. “Eu a vejo como uma empresa comunitária que por acaso usa camisetas como tela.”

Na visão de Eric von Hippel, a Threadless soube aproveitar uma mudança econômica fundamental, o afastamento do consumo passivo. Com o tempo, ele acredita, comunidades semelhantes à Threadless poderão se formar em torno de indústrias tão diversas quanto semicondutores, peças de automóveis e brinquedos. “Tudo está se movendo nessa direção”, diz Von Hippel. Isso poderá acontecer ou não, mas a lição da Threadless é mais básica. Seu sucesso demonstra o que acontece quando você permite que sua empresa se torne o que seus clientes querem que ela seja. A Threadless faz sucesso ao pedir mais do que qualquer companhia moderna de varejo jamais pediu a seus clientes — que criem os produtos, sirvam como força de vendas, tornem-se funcionários. Nickell foi pioneiro em um tipo de inovação que não exige grande orçamento de pesquisa ou criatividade brilhante — apenas disposição para olhar para fora. 
Fonte: revistapegn

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