Monday, December 6, 2010

Humanos são primatas que aprenderam a negociar

MARCOS CORONATO
Ellingvag/Orjan
Da aurora dos hominídeos, há centenas de milhares de anos, até cerca de 120 mil anos atrás, nossos antepassados eram primatas apenas medianamente bem-sucedidos. Eles inventaram linguagens, dominaram o fogo, criaram ferramentas, caçaram criaturas maiores que eles. Ainda assim, ao longo de todo o período, nunca escaparam do perigo de extinção nem se multiplicaram em velocidade muito maior que outros mamíferos. Então, entre 120 mil e 80 mil anos atrás, algo aconteceu: eles inventaram o comércio e, por isso, tornaram-se humanos, essas criaturas capazes de cobrir a Terra com sua descendência, transformar o meio e inventar novidades continuamente – ao menos, esse é o jeito que o escritor evolucionista Matt Ridley imagina a história. Ele também acredita que, por causa dessa capacidade de inovar, conseguiremos superar os problemas que temos pela frente, como o aquecimento global. “Seres humanos já passaram por desafios maiores que os atuais e não vejo por que nossa habilidade de inventar soluções iria nos falhar agora”, disse ele em entrevista a ÉPOCA.
Ridley, formado em zoologia, apresenta no livro “The rational optimist” (“O otimista racional”), lançado este ano, sua proposta sobre como surgiu a capacidade humana de inovar continuamente. A tese, elegante, apóia-se no fato de que outras características humanas, como linguagem, consciência e polegares opositores, já existiam muito antes daquele período crítico em que ocorreu a disparada dos nossos ancestrais para a dominação global. Por isso, a explicação, na visão de Ridley, deve repousar em alguma outra característica exclusiva nossa. Uma delas é o nosso intenso gosto por comprar, vender, trocar e compartilhar, com um detalhe extremamente diferente do que ocorre no resto do reino animal. Outros primatas não dominam a técnica de trocar coisas diferentes umas pelas outras, como bananas por uvas (embora haja uma exceção bem difundida: a troca de comida por sexo). Enquanto estiveram presos por essa limitação, nossos antepassados viveram de forma conservadora e precária. Afinal, argumenta Ridley, quem é obrigado a fazer as próprias roupas, criar as próprias ferramentas, coletar as próprias frutas, perseguir a própria caça e assim por diante tem pouco tempo e energia para inovar na forma de fazer algo. O escritor britânico acredita que, a partir do momento que nossos antepassados perceberam que podiam trocar objetos e serviços distintos entre si – bananas por uvas, anzóis por peixes, clavas por roupas –, puderam se especializar e, a partir daí, inventar. Quem produz lanças para a tribo inteira pode se dar ao luxo de gastar tempo e energia pensando e testando para fazê-las cada vez melhores. A troca teria levado à especialização, a especialização teria levado à competência, a competência teria levado à inovação, a inovação teria nos tornado o que somos hoje.
Por mais interessante que seja o raciocínio, porém, trata-se apenas de mais uma proposta para a pergunta "o que nos tornou humanos?", tão difícil de provar quanto as demais apresentadas nos últimos anos pela psicologia evolutiva. Esse campo de estudo se popularizou nos anos 90 e gerou uma diversidade de teses a respeito da nossa evolução (ÉPOCA já tratou do tema). Teríamos nos tornado humanos por causa do gosto pela música? Da capacidade dominar o fogo e assar a carne? Da capacidade de fazer comércio? Escolha a sua e não espere que essas propostas parem de surgir. Afinal, inventar novidades é uma das qualidades que nos torna humanos.
O otimista racional (“The rational optimist – how prosperity evolves”), de Matt Ridley – Editora Record – previsão de lançamento no Brasil: outubro de 2011 

Fonte: Época

No comments:

Post a Comment