Tuesday, March 8, 2011

Qual é seu sonho?


Pergunte isso a si mesmo e a quem está a sua volta –e você contribuirá para liberar o empreendedorismo à brasileira. Na opinião de Fernando Dolabela, um dos maiores especialistas da área no País, somos empreendedores desde o Brasil Colônia e nos sobra a criatividade tão necessária, mas nosso empreender é reprimido. Precisamos estimular nossos mapas de sonhos.
O Brasil é o sexto país mais empreendedor do mundo, segundo o ranking 2009 do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), e, pela primeira vez, o empreendedorismo por oportunidade superou o feito por necessidade, o que mostra uma pró-atividade de empreender.
Então, empreendedorismo pode ser visto como uma característica da gestão brasileira? Sim e não. Existem a capacidade de sonhar, e um grande potencial de criatividade reconhecido na população em geral, mas não há um estímulo cultural a isso. Fernando Dolabela, professor da Fundação Dom Cabral, que rejeita modelos importados de empreendedorismo, busca implantar um empreendedorismo à brasileira justamente com um esforço de construção cultural. Para Dolabela, o movimento precisa entrar obrigatoriamente na pauta dos brasileiros, para reverter uma cultura nacional que, muitas vezes, rejeita e sabota os sonhos –e, por tabela, o empreendedorismo.
Sem empreendedorismo, vale dizer, reduzem-se as chances de o País inovar. “Apesar de produzirmos 10 mil doutores e 40 mil mestres por ano, eles pouco transformam conhecimento em riqueza. Só o empreendedorismo pode virar esse jogo “, diz, o especialista, nesta entrevista especialmente preparada para o portal Brasil – Presença na Gestão que Dá Certo.
Quão empreendedores somos no Brasil? Por que não conseguimos ter uma instituição tão pró-empreendedores como o Babson College norte-americano?
Somos sonhadores, o que é fundamental, mas ainda nos falta cultura empreendedora que estimule sonhos. Quando comecei a estudar empreendedorismo, em 1992, a palavra era quase um “palavrão” e, em certos órgãos públicos, até hoje é. Numa palestra que fiz em um deles, a diretora me alertou: “Não use a palavra ‘empreendedor’”. Esta subverteria os funcionários, que sairiam de lá “pensando em fazer coisas por conta própria”. E a rejeição vem de várias fontes.
A universidade continua a ser uma fonte de rejeição importante. A excelência de ensino superior no Brasil, que é a universidade pública –ideologicamente de esquerda–, renega o mercado e, portanto, o empreendedorismo. Muitos jovens querem, como meta máxima, ser servidores públicos.
Mas há empreendedorismo onde a esquerda é forte, como a Itália…
Lógico, só a velha esquerda rejeita tudo vindo do mercado; tornou-se a velha direita. A nova esquerda aprendeu com o fracasso da Rússia, entendeu que inibir sonhos significa inibir o futuro. Essa nova esquerda sabe que governos só geram custos e que a riqueza é gerada pelas empresas. A região da Emilia-Romagna, na Itália, durante cinco décadas ou mais governada pelos comunistas, é um dos exemplos mundiais mais vibrantes de empreendedorismo. Agora, diga-se, a rejeição começa bem antes da universidade; na escola e em casa. Quando chega à universidade, o jovem está culturalmente pronto, já assimilou as características –negativas e positivas– de sua cultura. Aqui, assimilou a rejeição ao risco e à incerteza, a ausência de vontade de ser protagonista.
Você está dizendo que nossa cultura sabota o empreendedorismo…
Sim. Quando os estudos indicam que empreendedorismo é um tema cultural, isso significa que é vinculado a valores e não um tema cognitivo, acadêmico-científico. Empreendedorismo é forma de ver o mundo, estrutura de relações com as pessoas. O Brasil como instituição inibe o grande potencial de criatividade da população, impedindo-a de empreender. A capacidade de sonhar e de transformar o sonho em realidade é aplacada pela autocracia secular que tira a autoestima das pessoas.
Como explicar “sonho” neste contexto?
A aventura do empreendedor é conceber o futuro e transformá-lo em realidade, o que é sinônimo de sonho. E, assim, transformá-lo em riqueza. Descobri, empiricamente, que a pergunta “Qual é seu sonho?”, quase não é feita aqui. Em regra, nem pela mãe, nem pelo pai – preocupados com a segurança do filho, eles dizem “Passe no concurso”-, nem pelo professor, líder político, chefe… Por ninguém! Sonhar é perigoso. Qualquer um que abrir o campo para o sonho está abrindo a perspectiva de ausência de controle, porque sonhos não são controláveis. Por isso não adianta importar modelo de empreendedorismo. Falta-nos a base.
Isso é reversível?
O único jeito de revertê-lo é fazer com que as crianças se permitam sonhar, antes de a cultura se cristalizar nelas. Essa é a proposta da minha pedagogia empreendedora, que levo há cerca de oito anos às escolas. Só que há mais uma má notícia, pelo menos para o público do portal HSM: a escola particular está mais atrasada nesse processo que a pública, desconectada de uma visão de desenvolvimento sustentável. Eu supunha que acolheria a educação empreendedora, mas, no dia a dia, vi o contrário. Já implementei minha pedagogia empreendedora em 2 mil escolas e apenas três destas eram particulares. A escola particular não consegue conferir qualquer prioridade ao empreendedorismo; na pública, pelo menos, empreendedorismo é questão de sobrevivência.
Você implantou o método em 2 mil escolas… Quantas faltam, por curiosidade?
São escolas de 126 cidades –cada escola é um multiplicador disso na cidade. Considerando que o Brasil tem 5.650 cidades, faltam “apenas” 5.524 [risos].
Explique como é sua metodologia.
Nela, a emoção, afastada do trabalho pelo modelo industrialista, reassume sua importância. O potencial empreendedor, presente em todo ser humano, é disparado pela emoção. Sem ela, não há forma de desenvolver o protagonismo, a criatividade e a perseverança, os três elementos cruciais ao empreendedorismo; a razão vem em seguida, para estruturar o caminho apontado pela emoção. Por esse motivo, os meus livros didáticos são histórias, romances: é a melhor forma de descrever o estilo de vida empreendedor. Preparo professores para iniciar sua relação com os alunos por meio de duas perguntas: 1) “Qual é seu sonho?”; 2) “O que você fará para transformá-lo em realidade?”.
Essas duas perguntas são o eixo da metodologia. Não são feitas no ensino convencional, que entrega tudo pronto ao aluno –um contrassenso, porque empreendedorismo trata de futuro, para o qual ainda não há respostas.
A partir daí os alunos começam a agir (empreendedorismo é pura ação) e trabalham mapas de sonhos, planos de negócios etc. Mas tudo isso requer mudança dos professores, a começar pelo fato de que sonho e empreendimento não podem ser avaliados de fora, mas somente pelo próprio autor.

E como você ensina empreendedorismo em suas oficinas para jovens?
Falo em sonho também, mas trabalho os elementos de suporte, que são basicamente quatro:
1) Conceito de si. Todo empreendedor necessita muito de autoconhecimento para ter consciência do que sabe e, principalmente, do que não sabe. Assim, consegue construir complementaridades e buscar colaboradores.
2) Conhecimento do setor visado. Esse é o elemento central. Somente entendendo bem o ambiente de negócios ele poderá identificar oportunidades (clientes, concorrentes, ciclo de vida, legislação, tendências etc.), e sua ausência é causa constante de falências.
3) Rede de relações. É preciso aprender a construir uma rede de pessoas que ajude a conhecer o ambiente e a concretizar o sonho.
4) Capacidade de liderança. O desenvolvimento desta é fundamental tanto para convencer um investidor a apostar no sonho como para transmiti-lo e seduzir pessoas a acompanhá-lo.

Além de tachado de direitista, você não pode ser acusado de messiânico?
Sonho parece coisa de messias, sim, mas tenho a meu favor o fato de que a relação entre empreendedorismo e desenvolvimento é a maior verdade prática que existe, ainda que comprovada recentemente. Foi só na década de 1970 que os economistas norte-americanos se deram conta de que as pequenas empresas geravam mais empregos que as grandes; ficaram perplexos. O empreendedorismo era um não assunto na academia. O [Joseph] Schumpeter, que só agora é reconhecido para valer, foi o primeiro a pôr o empreendedorismo sob os holofotes, quando afirmou que a inovação é a grande propulsora da economia. De lá para cá, diversos estudos comprovaram a relação entre empreendedorismo, desenvolvimento e qualidade de vida.
Essa cultura antiempreendedorismo é histórica no Brasil? Ou tem data recente?
Autores dos extremos ideológicos, de Caio Prado, com sua linha aristotélico-marxista, a Oliveira Viana, visto como sendo de direita, sempre afirmaram que o Brasil foi gerado na época colonial pela combinação de senhor e escravo, com economia baseada na exportação –o Brasil servo de outros mercados– e, portanto, sem empreendedorismo. Mas isso começa a ser revisto desde que foi lançado, no final de 2009, o livro História do Brasil com Empreendedores. Jorge Caldeira diz: “Havia um protoempreendedor no Brasil colonial, daí nosso PIB maior que o português”.
Se a releitura chegar à escola… o que Schumpeter diz do empreendedor?
Quando alguém inova, muda o mercado e as empresas se adaptam, subindo ao novo patamar da inovação. Só que muitas delas saem do jogo aí e ele chama a isso “destruição criativa”. Schumpeter diz que o novo sempre substitui o velho –o empreendedorismo é o novo.
Você acha que o período de regime militar piorou a situação?
Uma das principais ferramentas do empreendedor é a informação (ele tem de saber sobre mercados, concorrentes, fontes de matéria-prima, tendências, fontes de capital, projetos governamentais etc.) e ele a tem na democracia, não em ditaduras. Crescimento econômico acontece também em ditaduras, mas, se olharmos o mundo hoje, veremos que crescimento com qualidade de vida está visceralmente associado à democracia e à liberdade de empreender. O empreendedor real nunca é o estado, mas a sociedade civil, única que tem as condições necessárias: dinheiro, competência de gestão, capacidade de inovação.
Mas a tão empreendedora China é ditadura… É um paradoxo?
A China não é um modelo sustentável no longo prazo. Para continuar crescendo, ela vai ter de aumentar a educação e, ao fazê-lo, vai ter reivindicações de liberdade e justiça social. A China leva ao pé da letra o que o Ocidente sempre fez: transformar as pessoas em mais um fator de produção. O empreendedorismo vai frontalmente contra isso. Na própria Ásia não faltam exemplos: Singapura, Coreia do sul e Japão, que têm os pilares da democracia e elevado empreendedorismo, exibem altíssima qualidade de vida.
Então, por que o GEM já apontou o Japão na lanterninha da atividade empreendedora, e o Brasil está lá na frente, ao lado de Uganda e Bolívia?
Há muitas sutilezas nas métricas, por isso devem ser vistas com espírito crítico. Há estudos que indicam que, quanto maior foi o crescimento econômico de uma cidade, menor foi a taxa de empreendedorismo, por exemplo. A explicação é que as grandes empresas, que estão crescendo, oferecem um emprego razoável melhor do que a atividade do pequeno empreendedor. Isso é o que acontece no Japão.
Só que, quando o emprego é uma ideia cada vez mais abstrata, não basta…
Fato. O emprego é um conceito mal desenvolvido, cada vez mais percebido como provisório. É mera evolução da escravatura. Até a expressão mercado de trabalho vem de mercado de escravos; o patrão de hoje é o senhor de ontem. A relação de trabalho, na essência, é desequilibrada, porque não é uma relação social; tanto que máquinas substituem homens. O próprio Peter Drucker dizia, referindo-se a empregados de alto nível, que eles tendem a não se deixar subornar por ofertas de altos salários, fringe benefits, stock options; vão querer ser donos dos negócios.
Até agora falamos do espírito empreendedor. O que dizer sobre o capital empreendedor no Brasil?
É um problemão. Como diz o economista Mohamed Yunus, o dinheiro é um direito do ser humano do mesmo nível que alimentação, escola e moradia. No Brasil, o capital sempre foi voltado para as grandes empresas e até hoje, de alguma forma, é assim. Os investidores de risco vêm se multiplicando nos últimos oito anos, mas têm menos opções de investimento do que desejam, por falta de bons planos de negócios, e acabam focando as empresas-estrela.
O ambiente é mais propício do que foi…
Sim, um avanço é o trabalho de uma organização como a Endeavor, por exemplo. Mas, por todos os rankings, o Brasil ainda não é propício aos empreendedores. Em inovação, é pior: a associação de pesquisa das empresas inovadoras tem um dado segundo o qual só 0,26% das brasileiras são inovadoras. Até em intraempreendedorismo, que remete a empreender dentro das empresas e se reflete em ação inovadora, somos fracos: conforme o GEM, só 6% dos empregados inovam no Brasil –e é um cálculo otimista.
Suspeito que o intraempreendedor seja ainda mais raro. Estou errada?
Ele existe no discurso. O sistema de poder corporativo, baseado em comando e controle, imunizou-se contra ele, porque quem inova pode “atropelar” o chefe, o que é inconveniente.
Como isso pode mudar nas empresas?
Mudará quando elas forem horizontais e derem aos funcionários liberdade e “espaço de si”, para que se sintam à vontade. O Google é uma que dá esse espaço. A hierarquia é útil em estruturas como uma linha de produção, quando se quer ganhar escala, mas lima a capacidade de inovar.
Alguém já lhe perguntou sobre qual é seu sonho?
Possivelmente não, porque a cultura brasileira amarra as pessoas ao tempo presente, em vez de libertá-las para o futuro, representado pelo sonho. Nesta entrevista, Fernando Dolabela, da Fundação Dom Cabral, garante que a melhor chance de desenvolvermos um empreendedorismo brasileiro é ensinar a sonhar.”
“Uma das principais ferramentas do empreendedor é a informação e ele a tem na democracia, não em ditaduras.”
SAIBA MAIS SOBRE DOLABELA
Consultor e professor da Fundação Dom Cabral, Fernando Dolabela é considerado um dos maiores especialistas em empreendedorismo no Brasil. Publicou 11 livros sobre o assunto, entre os quais O Segredo de Luisa [Ed.Sextante], de 1999, em forma de ficção, reconhecido como o maior best-seller brasileiro na área, com mais de 100 mil exemplares vendidos.
Dolabela também criou alguns dos maiores programas de educação empreendedora do Brasil, da universidade à educação infantil. Suas metodologias de ensino são consideradas bastante inovadoras por tratarem empreendedorismo sobretudo como uma função do sonho e das emoções –conforme ele explica nesta entrevista- e, no sentido econômico, como instrumento de desenvolvimento sustentável e justiça social. Sua metodologia Oficina do Empreendedor, por exemplo, já implementada em cerca de 400 instituições de ensino superior, atinge cerca de 4 mil professores e 200 mil alunos por ano.
Proprietário da empresa de consultoria e portal Starta, Dolabela ainda desenvolveu dois softwares de planos de negócios muito utilizados por start-ups: “MAKEMONEY”  e “MinhaEmpresa”. Ele já prestou consultoria à Confederação Nacional da Indústria e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Entrevista a Adriana Salles Gomes, editora-executiva da HSM Management.

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